-Como assim não posso levar meu filho mais cedo?
Aquele dia estava sendo um
inferno no jardim de infância, Becky parecia ter acabado de limpar um pavilhão
de exposição de carros monstro após uma explosão simultânea de óleo, e que após
isso estivera na linha de frente em uma terceira guerra mundial... Ela
costumava ser meiga, porém aquele dia seria difícil convencê-la de liberar
qualquer um; enquanto conversava com um dos pais as crianças gritavam na porta
atrás dela, os óculos estavam tortos e embaçados e uma mecha do cabelo pendia
sobre o rosto, se movendo de acordo com sua respiração enfurecida, pelo vidro
da porta era possível ver crianças flutuando, um deles estava sobre a mesa apontando
uma pistola de desintegração para os colegas de turma enquanto vasculhava a
bolsa de couro falso da professora – Achei! – Ele gritou com a chupeta no canto
da boca abafando o grito, ergueu o que procurava e as crianças caíram ao chão
uma a uma.
-Eu já disse, não posso liberá-lo agora! Pelo menos não
AGORA! – Houveram mais alguns gritos quando o raio laser voltou a ser apontado
para a criançada – Estou com um pequeno probleminha lá dentro e... Eu não posso
parar tudo agora... E-eu, preciso realmente voltar lá, sinto muito – Ela abriu
a porta, o garotinho escondeu a arma dentro da bolsa, chorou como se fosse a vítima,
ela parecia não saber por onde começar, pegou os potes de tinta do chão, tentou
limpar o excesso da bagunça, ouviu mais berros, mais choro, todos chamavam “professora”
ao mesmo tempo, ouviu o rugido do motor, socos, tapas, mais berros, a borracha
dos pneus queimando no asfalto, pontapés, as tintas voltaram ao chão, mais
choro, e os vidros se estilhaçaram sobre o para choque daquele mustang 68
vermelho e branco.
-Entra aí! – O carro pousou sobre um grupo de mesinhas
coloridas, o para brisas estava enfeitado com um varal de desenhos à guache, as
crianças ficaram espremidas num canto, atônitas, Becky estava sobre elas, as
protegendo, o suposto pai saltou do carro e puxou a criança agarrada a bolsa de
couro falso e a lançou pela janela para o banco do passageiro.
-Você não pode fazer isso! Quem é você? Isso é sequestro! –
Becky berrou, o pequenino abaixou o vidro da janela do passageiro e fez o gesto
obsceno com o dedo para a professora. Os pneus cantaram novamente e a marcha ré
foi ativada, o carro rolou as cadeiras e mesinhas para o jardim do colégio numa
manobra rápida e se lançou contra os arbustos que separavam o jardim da rua,
Becky correu à secretária, sacou o telefone vermelho e discou para a delegacia.
– Foi um sequestro! Ele invadiu o jardim de infância e levou uma criança em seu
mustang! – Ela gritou sem respirar entre as palavras. A policial pediu para que
ela se acalmasse, que dissesse onde estava e que tudo ficaria bem.